Por que Uganda e não Brasil?

Desde que começamos o projeto, recebemos muito apoio e carinho de todas as pessoas! O que nos move nessa caminhada com certeza são os votos de confiança e força que vêm de todos ao nosso redor. Mas uma pergunta nos é feita com bastante frequência e a consideramos natural: por que Uganda, na África, e não o Brasil? Nós também nos pegamos pensando nessa pergunta diversas vezes, afinal temos plena consciência dos problemas sociais do nosso país. Porém, são diversos motivos que nos fizeram, nesse momento, escolher Uganda e iremos compartilhar nossas reflexões com vocês.

Somos muitas vezes induzidos a comparar tragédias. Quando paramos para pensar que algumas vezes nos fazem escolher qual povo sofre mais, o brasileiro ou o ugandês, uma tristeza nos invade. O mundo em que vivemos nos obriga a decidir quem passa mais fome, quem é o mais excluído, quem sofre mais violência e, assim, quem merece mais atenção. Não deveríamos estar comparando os sofrimentos; isso só fomenta a desunião e a falta de empatia com o próximo.

Existem milhares de causas no mundo pelas quais todos nós precisamos lutar diariamente – combate ao trabalho escravo, exploração infantil, racismo, machismo, LGBTfobia; a situação dos refugiados; o extermínio dos índios – e somente com um movimento conjunto em que cada um atua, de alguma forma, naquilo que o toca é que chegaremos a uma real transformação. A dura realidade das crianças de Kikajjo, das regiões do Piauí ou da periferia do Rio de Janeiro merecem atenção igualmente. Uma luta não exclui a outra; pelo contrário, elas se fortalecem.

Estamos do mesmo lado buscando um mundo mais justo e humanitário e acreditamos que todos devem atribuir a si próprios esse papel de mudança. No entanto, sozinho ninguém salva o mundo, e conferir esse papel a alguém, ou a si mesmo, é distorcido. O importante é irmos juntos, atuar de forma consciente e ética e nos sensibilizar e aos outros sobre o quanto ainda precisamos construir e desconstruir paradigmas da atualidade.

A relação de nós, brasileiros, com a África, não deveria ser tão distanciada; será que reconhecemos nossas raízes africanas? Sabemos das nossas origens europeias, mas as africanas não, devido até um apagamento histórico. Perdemos muito com isso, pois parte da nossa identidade não conhecemos e não somos incentivados a conhecer. As matrizes culturais vindas da África moldam nossas relações sociais e os martírios pelos quais essas populações passaram, como, por exemplo, 350 anos de escravidão, não são devidamente reconhecidos como uma violação aos direitos humanos que tem reflexos até hoje na nossa sociedade: a população jovem negra é a que mais morre no Brasil.

Para entender quem somos precisamos conhecer a história africana, seus textos, filmes, livros, costumes. Ir para o continente africano significa entrar em contato com grandes nações a que somos conectados, compreender uma parte da nossa verdadeira história. Um dos norteadores do projeto é não reforçar a falácia de que a população branca tem mais conhecimento e vai prestar ajuda à população negra carente, sofredora e passiva. Estamos indo para ouvi-los, enxergar suas potencialidades, aprender com eles e trocar saberes.

A globalização tem os seus dois lados: a dominação de uma cultura sobre a outra e a possibilidade que ela fornece de comunicação e trocas de conhecimentos. Baseados nesse último, viemos viver essa experiência em Uganda. Acreditamos que o saber acadêmico possibilita acesso à informação e ao conceito de direitos humanos, além de fomentar o senso crítico diante do mundo. O saber da comunidade é riquíssimo e engloba a sua visão de mundo, o funcionamento daquele território, o seu modo de vida. Essa troca de conhecimentos é o mais valioso do processo e daí surgem os resultados e os aprendizados que vamos levar para a vida inteira e almejamos aplicar em outros contextos e países, incluindo o Brasil.

Somos jovens e temos muitos planos futuros, nos sentimos realizados de começar a nossa vida profissional com esse baita desafio que entramos de cabeça. Tudo que estamos vivendo tem exigido de nós habilidades e esforços que vão além do que fomos ensinados a fazer, a prática aqui é uma mistura da psicologia, da pedagogia, da arquitetura, das ciências sociais, da agronomia e fazemos o melhor possível para dar conta do recado! O trabalho com a comunidade tem nos tirado da zona de conforto e nos agregado demais.

Acreditamos que as coisas acontecem por um motivo e na hora que devem acontecer, e parece que aqui tudo se encaixa nisso. TORUWU estava com a ideia e necessidade de reformular a escola e nós três do Brasil sempre quisemos trabalhar com educação, viver algo diferente e desafiador depois de se formar e tivemos essa chance e privilégio de poder vir até aqui trabalhar em algo que acreditamos e sonhamos. Os trabalhos e projetos que participamos no Brasil nos trouxeram até aqui. Os caminhos que traçamos e pessoas que conhecemos contribuíram para estarmos aqui, além disso muitas pessoas tem nos ajudado a distância e agradecemos muito a elas.

Estamos apenas começando! Por nós, rodaríamos o mundo para realizar iniciativas como essa, aprendendo e trocando experiência em diferentes comunidades, quem sabe isso também se torna realidade um dia? Todo mundo está convidado a visitar a gente, se contaminar com a energia das crianças e do nosso trabalho!